segunda-feira, 26 de julho de 2010

QUEM QUER QUE SEJA VOCÊ A SEGURAR AGORA A MINHA MÃO

(Walt Whitman)
Quem quer que seja você a segurar agora a minha mão,
sem uma coisa tudo será inútil,
dou-lhe um honesto aviso antes que você me tente mais,
não sou o que você supôs, mas muito diferente.

Quem é aquele que deseja se tornar meu seguidor?
Quem se apresentaria como candidato às minhas afeições?

O caminho é suspeito, o resultado incerto, talvez destrutivo,
você teria de desistir de tudo o mais, eu sozinho haveria de ser seu estandarte único e exclusivo,
seu noviciado seria pois longo e exaustivo,
toda a teoria passada da sua vida e toda a conformidade com as vidas ao seu redor teriam de ser abandonadas,
assim me deixe agora antes que se complique mais, tire a mão dos meus ombros,
me largue e siga o seu próprio caminho.

Ou então furtivamente em alguma floresta, para tentar apenas,
ou atrás de uma rocha ao ar livre
(pois em nenhum quarto coberto de nenhuma casa eu emerjo, nem em companhia,
e nas bibliotecas permaneço como quem é mudo, ou parvo, ou não nascido, ou morto),
mas muito possivelmente com você numa colina alta, primeiro vigiando por milhas em volta para que ninguém se aproxime sem avisar,
ou possivelmente com você a velejar no mar, ou numa praia do mar ou numa ilha sossegada,
aqui eu permito que você coloque seus lábios sobre os meus,
com o beijo prolongado do camarada ou o beijo do recém-casado,
pois sou o recém-casado e sou o camarada.

Ou, se você quiser, metendo-me entre suas roupas,
onde poderei sentir os soluços do seu coração ou repousar sobre o seu quadril,
carregue-me quando for através das terras e dos mares;
pois apenas tocar você assim é o bastante, é o melhor,
e tocando você assim eu adormeceria em silêncio e seria carregado eternamente.

Mas examinando estas folhas você se arrisca,
pois a estas folhas e a mim você não entenderá,
elas o eludirão no princípio e mais ainda depois, eu certamente o eludirei,
mesmo quando você pensar que me apanhou de modo inquestionável, cuidado!,
você logo verá que lhe escapei.

Pois não é pelo que coloquei neste livro que o escrevi,
nem é pela leitura dele que você o ganhará,
nem são esses que me admiram e me elogiam com jactância aqueles que me conhecem melhor,
nem são os candidatos ao meu amor (a não ser no máximo alguns poucos) os que sairão vitoriosos,
nem meus poemas farão apenas bem, eles também farão mal, talvez até mais,
pois tudo é inútil sem aquilo que você poderá suspeitar em muitas ocasiões sem compreender, aquilo que sugeri;
assim me deixe e siga o seu próprio caminho.


(Tradução de Renato Suttana)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.


Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.


Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.


Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

(Carlos Drumond de andrade)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes… tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que eu vou dizer:
- E daí? Eu adoro voar!
Não me dêem fórmulas certas, por que eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra sempre"

Clarice Lispector

Motivo (Cecília Meireles)

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritmada.
E sei que um dia estarei mudo:
- mais nada

A minha vida é um barco abandonado

A minha vida é um barco abandonado
Infiel, no ermo porto, ao seu destino.
Por que não ergue ferro e segue o atino
De navegar, casado com o seu fado ?
Ah! falta quem o lance ao mar, e alado
Torne seu vulto em velas; peregrino
Frescor de afastamento, no divino
Amplexo da manhã, puro e salgado.

Morto corpo da ação sem vontade
Que o viva, vulto estéril de viver,
Boiando à tona inútil da saudade.

Os limos esverdeiam tua quilha,
O vento embala-te sem te mover,
E é para além do mar a ansiada Ilha.

Fernando Pessoa

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A Minha Dor (Florbela Espanca)

A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias...
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...

saber viver


Não sei... Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura... Enquanto durar

Cora Coralina

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Borboleta madrugada...

Me pinto com as tintas do tempo,
me sento na calçada do passado,
me molho com a chuva de vento,
me arrebento ao som de um fado.
Me alimento da tua lembrança.
Me quebro nas pedras do cais...
Lamento e choro, choro e lamento.
Vão-se os anéis, ficam-se os ais.
Então enxugo os olhos lacrimosos,
passo o rímel, delineador e lápis,
depois me vôu, madrugadadentro.

A chuva cai, cai, cai, cai, cai...

A chuva cai tão insistente,
parece com gente chorando...
Parece com o mundo acabando,
desabando em um dilúvio eminente.
A chuva cai sem trégua, irritantemente.
Parece com gente chorando, acabando, insistente, irritante, veemente, inconsequente, demente...
O mundo acabando, acabando, acabando, gente chorando, rangendo os dentes, irritante, irritante, inconsequente, a chuva cai tão insistente, insistente, insistente, demente!

Instinto cruel...

Primeiro te faço em pedaços,
depois remendo teus cacos.
Te uso e abuso, te jogo fora!
me arrependo, me culpo,
imploro sua volta...
Te quebro de novo,
remendo outra vez.
Retoco meu batom,
e saio pra dançar.
Até madrugada...

domingo, 13 de junho de 2010
















Aqui teremos, poemas, prosas , delírios...